amores expresos

terça-feira, 25 de setembro de 2007

DOMINUS VOBISCUM

Uns dois dias atrás, acho que no domingón pasado, por la noche, relendo o último post do meu blog, em que, feito um estudante guevarista, desanco a ditadura militar e os atuais milicos que ainda apoiam publicamente as barbaridades cometidas naqueles 21 anos de coturno no saco da nação, me bateu uma nóia retada.

Me vi, ao voltar pro Brasil, sendo perseguido, seqüestrado, torturado e fatiado por um esquadrão da morte do Movimento Guararapes, integrado por milicos da ativa e de pijama, de extrema direita, e por ex-policiais torturadores nostálgicos daquela maquininha elétrica com manivela deles. Me vi também ridicularizado pelos amigos e inimigos, e, pelo sim, pelo não, e, sobretudo, pelo talvez, tirei o post do ar.

Quer dizer, além de ser o mais negligente blogueiro entre os amorecos expressos, ainda me auto-censuro e podo meus próprios posts. Es el fin de la picada. Mas não se perdeu literalmente nada. Aquilo era um primor de anacronismo e esquerdofrenia juvenil tardia - bem tardia, no meu caso -, fruto, talvez, deste intenso ócio mesoamericano com que fui agraciado.

Que se fueda el papa. Voltemos ao México.

Hoje, fui ver a Virgem de Guadalupe, ao norte da cidade. Juro que fui. Na verdade, o objetivo da expedição era ver - e vi, es del gran cararro! - as pirâmides e os sítios arqueolórricos de Teotihuacán. Mas a excursão à qual aderi passava compulsoriamente pela basílica, que fica no caminho, e lá fui eu ganhar uns aninhos de indulgência celestial quando se me franquearem as portas do Além, o que espero não aconteça tão cedo, pois tenho filhas pra criar, um romance para acabar e outro pra começar.

A Virgem de Guadalupe, como se sabe, é mestiza, a exemplo de 90% da população mexicana, e deve ser prima em segundo grau da nossa Aparecida afrobrasileira. A história, que consta, com variações, de todos os guias turísticos do México, é a seguinte: lá nos idos do século 16 ou 17 (faz diferença?), um índio chichimeca, convertido ao catolicismo sob o nome cristão de Juan Diego, recebeu a visita da Virgem em pessoa. Juan Diego correu pra relatar a fantástica aparição ao bispo de plantão, pedindo a ele que mandasse erigir uma basílica pra comemorar o fato. Só que o reverendíssimo espanholito não acreditou que a mãezinha do JC fosse aparecer para um réles índio mexicano. "No es posible! Por que la señora doña Virgen no apareció para mi, que soy el bastante obispo, con mil coroiñas desnudos!", deve ter esbravejado el relirriôsso aquel.

Não havendo um segundo bispo pra reclamar do primeiro, Juan Diego recorreu em preces à própria Virgem, que produziu uma prova irrefutável da sua aparição ao humilde chichimeca: rosas.

Sim, pois não havia rosas no México. Só mesmo por um milagre. Isso deveria ser suficiente para convencer o bispo incréu. Juan Diego voltou lá na casa do hombre com um pano rústico armado em trouxa, cheio das rosas da Virgem. Quando ele abriu o pano diante do bispo, mais um milagre, esse matador: no pano, de fibra de magüey (uma palmeira aparentada com o agave), estava estampada a virgem mestiça. Ohs e Ahs gerais. O bispo viu-se obrigado a rodar a batina e mandar construir a basílica pra Virgem do índio, denominada de Guadalupe, em homenagem a uma Virgem homônima da Espanha, lórrico.

Aliás, em qualquer canto da cidade você topa com um altarzinho pra dona Lupe. Nos parques, nas passagens subterrâneas, nos pontos de táxi, em toda parte a Virgem faz sua aparicão. Um chilango (apelido do habitante da Ciudad de México) me contou que, aqui, quando algum trecho de rua se torna depósito de lixo ou ponto de encontro de drogaditos, os moradores logo instalam um altarzinho pra Virgem de Guadalupe. No dia seguinte já ninguém mais joga basura ali ou se reune pra pipar um crack. A Virgem tem a maior moral acá en el pedazo. Até índios não-católicos, que fazem questão de manter suas tradições e religiões ancestrais, se declaram "guadalupanos" e vão à basílica reverenciar a Virgem. És muele?

Vi a Virgem de Guadalupe, a original, lá na basílica nova, não na antiga, pequena e cheia de charme barroco, que fica no alto de um outeiro. A imagem fica no altar do templo modernoso, de concreto aparente, que consegue ser mais feio que a praça Roosevelt, em São Paulo, se isso é possível. A coisa é encimada por um pinoco com uma cruz sobre um M, supostamente de Maria, que mais parece a logomarca de uma famosa cadeia mundial de fast-food. Eso es una blasfêmia, pero es verdad, caramba. Se duvidam, acessem a internet, que deve ter uma foto do treco em algum lugar. E tratem de ler logo esse e-mail, antes que eu tenha outra crise de paranóia galopante e, temendo as chamas do inferno mexicano, decida tirar também este post do ar amanhã ou depois.

Entre o altar e a platéia da basílica (não há uma nave central nessa igreja modernosa), o famigerado arquiteto planejou um fosso dotado, na base, de uma esteira rolante que permite aos fiéis contemplarem a Virgem acima de suas cabeças, mas bem próxima, sem interferir nas missas celebradas ininterruptamente das 6 da manhã às 9 das noite, todos os dias do ano. A esteira rolante serve também para evitar aglomerações diante da imagem milagreira.

Ex-coroinha que fui - pero no desnudo, alto lá! -, passei 3 vezes pela Virgem. Nossa guia, a Marilu, baixinha, gordinha, mestiça, simpática e cultíssima, contou que, originalmente, a Virgem portava uma coroa dourada na cabeça, mandada raspar pelo vice-rei espanhol para não estimular pretensões independentistas por parte dos mexicanos da gema, que já estavam usando aquele pano pintado como bandeira da colônia.

Caracas, eu ia falar das pirâmides de Teotihuacán, acabei falando da Virgem de Guadalupe. Enfim, só pra arrematar, a basília de concreto fica numa bela esplanada onde se situa uma outra igreja barroca restaurada, que também já foi basílica, esta, sim, um primor de arquitetura colonial, apesar de estar adernando por causa do piso movediço, pois foi erigida sobre o leito ainda pantanoso de um antigo lago.

Sério, gente, a torre de Piza perde. Estão tentando deter o adernamento da velha igreja, que se debruça perigosamente para a frente e para o lado, mas não sei não. Eu é que não me arriscaria a rezar um terço inteiro lá dentro. Olhei praquilo, de fora, e me disse o mesmo que o Tom Waits certamente diria: essa igreja andou bebendo. Ou fui eu que ainda não sarei totalmente de um pilequinho de cerveja com la matadora tequila que tomei ontem, sozinho, num pub anglófilo que tem aqui do lado de casa, em Polanco, com uma trilha sonora genial só de velhos rocks. Nada de especial nesse pub, aliás, mas é o único lugar onde me senti bem sozinho nas redondezas.

Sozinho. Essa é a palavra-chave, aqui. Fui abandonado por todos os meus contatos mexicanos. E os que não me abandonaram, abandonei-os eu, por falta de empatia. Mas daqui a uma semana estarei de volta ao Movimento Guararapes, digo, ao Brasil. E com la buena cerveza de la tierra, mais a tequila Herradura Reposado e os rockaços do Pleistosceno Inferior lá do meu pub anglomexicano, até que dá pra agüentar.

Oné queu tava memo?

3 Comentários:

Blogger Joca Reiners Terron disse...

Reinaldón, mí abuelo beatnik predileto,

Você começou este blogue mornamente, dum jeito medio café con leche, e vinha perdendo la Corrida Maluca com largas e orejudas cabezas de vantaja para Muta, o Relli, que muy distraidamente vencia.

Pero usted se aprumó, se arribó, se engrazó todinho e ahora yo estoy gostando de la bagaza. Más do que lo blogue de Muta Really que -- bengamos y conbengamos -- anda num chororô desgraciado.

Longa vida a Francisco Petrônio!

Abrazón del amigo,

25 de setembro de 2007 às 19:10  
Blogger Chatagirl disse...

talvez seus amigos tenham percebido que mesmo no méxico sua alma é de guararapes. nos tristes trópicos, qualquer um traz uma tequila na bagagem. o méxico é pra poucos. que pena.

25 de setembro de 2007 às 20:36  
Blogger Joca Reiners Terron disse...

Y detona esa Malagirl aí, Reinaldón: es una más de los chupapijas anónimas de las cajas de comentarios. Vade retro.

26 de setembro de 2007 às 05:36  

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