amores expresos

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

ÚLTIMO BOLERÓN EN TACOLÂNDIA

Para quién se queda en México, lo meu más cordial adiós-muchachos-y-muchachas-compañeros-y-compañeras-de-mi-bida. Baleu Ciudad de México pelas tortillas, tequilas, mezcales, chiles, sítios arqueolórricos fantásticos, bellas y lúgubres iglesias coloniales, calles vivas y musicales, restaurantes, trajineras y mariachis de Xochimilco, el parque Chapultepec de longas y reflexivas camiñadas, lo impressionante Museo Nacional de Antropolorria que me descortinó el pirante pasado pré-hispánico del país, el Centro Histórico de nostálrrica memória, adonde fui caminando diversas veces por el Paseo de la Reforma, y, sobretodo, pela acolhedora simpatia de su gente insurgente y alegre. Baleu César y Aquavi pela acolhida hidalga y cariñosa, por los tchapantes paseos en las pérolas históricas, artísticas y mundanas de vostra ciudad maravillosa llena de encantos mil, y por me desvendar los inebriantes segredos del mezcal oaxaqueño, sin hablar del rango antolórrico de despedida en La Condesa, ayer, regado a buenos vinos y un Armagnac 1974 de colecionador, prendas y gentilezas esas que jamás podré retribuir a la altura. Baleu Maria y Tolita, las festivas hermanas Figueroa, amigas de mi viejo y gran amigo João Almino, pelo banquete completo naquele inesquecível sabadão em Coyoacán. Baleu Aline, otra preciosa dica de João, por su refinada conversación en el refinadíssimo San Angel Inn, onde vou volver así que ganhar el prêmio Nobel o acertar en la mega sena. Baleu Romeo, Romeo baleu, el amigo de Antônio Prata, que me brindó com su conversa cultíssima y divertida, y me propició el primeiro gran pifón en el Distrito Federal, assim que llegué no pedazo, en el belíssimo Café La Ópera, adonde Pancho Villa mató a tiro una mosca en el teto. Baleu gatos y gatas pingados y pingadas que derraram comentários en mi blog, para que yo no me sentisse hablando com las pirâmides de Teotihuacan. Baleu Maria Emília Bender, Rota Pê Cuenca y Don Rodrigo Teixeira por la invitación al voyage, que intentaré retribuir con la mejor novelita cinematizável que yo puder escribir, y que, aliás, ya está debidamente escaletada. Baleu Estela Renner por su competência com la câmera y el verbo, y por su faro fino para encontrar los mejores ângulos y lugares de la ciudad para que pudéssemos hacer lindos takes, sin hablar de la amistad y simpatía instantâneas. Baleu Dom Balthazar Noriega, por no existir, pués si existisse teria me enfiado un cuchillo de obsidiana en el pecho para me arrancar el corazón de melón, como um perfecto sacerdote mexica del Templo Mayor. Me perdonem todos por el portuñol salvage, la eventual irreverência y la falta de modos y maneras, lo que incluye dos o tres tchicletes que yo cuspí en las calles, donde, todavía, no he hecho ningun tchitchi en los recantos oscuros, apesar de la gran voluntad de hacer eso muchas veces. Bueno, si olvidé algo, olvidado está. Parto com el corazón transbordante de gratitud, la cartera vacía y la memória fervillante de frescas y calorosas memórias. Andale!

domingo, 30 de setembro de 2007

EL VIAJERO LÚGUBRE

Bueno, hermanitos del mi querido Brassil brassileño, dentro de mais una semanita yo voy a picar la mula acá de México, por isso esse será um dos últimos posts de blog que o distinto público poderá ler da lavra deste autor insubstituível, pelo menos para si mesmo, que soy yo mismo, gracias. Digo isso porque, certamente, nunca mais terei um blog pra chamar de meu. Só aqui neste confortável exílio é que pude achar tempo pra jogar conversa fora por escrito, condição que dificilmente se repetirá no futuro vislumbrável.

Ontem fui ao popular Munal - Museu Nacional de Arte Luz de España - no centrão viejo aqui desta increíble Ciudad de México, que só agora estou aprendendo a manejar - e a amar, de paixão. O edifício do museu, do século 19, deixa qualquer um de boca aberta. É um misto de mansão da Família Adams com o castelo do conde Drácula, uma jóia imponente de fantasia arquitetônica eclética e desvairada. Fui lá a reboque do César Carrillo, meu amigo antropólogo interessado em arte, literatura, cinema, política, gastronomia mexicana y todo más, o que inclui a deslumbrante Aquavi, sua charmosa, simpática e inteligente novia.

Embora o Munal tenha um acervo riquíssimo de arte mexicana, desde os acadêmicos do século 19, passando pelos modernistas socialistas de meados do século 20 (Rivera, Orozco e Siqueiros, por exemplo, estão lá), até os contemporâneos, nosso foco era a exposição de um pintor, gravurista e ilustrador mexicano del gran balacobaco, chamado Julio Ruelas.

Esse Ruelas era uma figuraça. Nascido em 1870 no interior mexicano, era filho de um emérito jurista que chegou a ministro de Porfirio Díaz, o presidente-ditador mexicano. Mesmo assim, depois de ter estudado na Alemanha e na França com grandes mestres da pintura, morreu em 1907, aos 36 anos, de tuberculose e miséria galopantes. Um dos expoentes do modernismo decadentista mexicano (sim, existiu tal coisa por aqui), Ruelas, que só se vestia de preto, teve uma existência maluca, misteriosa e, pelo visto, não muito saudável. Bateu as botas numa mansarda do Hotel de Sued, no Boulevard Saint-Michel, em Paris, mesmo lugar onde, sete anos antes, Oscar Wilde tinha batido as polainas.

Consta que Julio dormia com uma puta, quando a moça se deu conta de que seu parceiro estava quieto e frio demais. Em torno da cama, havia várias garrafas de champanhe vazias, e, num canto do aposento, um gato preto observava indiferente a morte do artista. Não por acaso, a exposição de cerca de 100 trabalhos de Ruelas leva o nome de "El viajero lúgubre", predicado que lhe foi atribuído por um poeta amigo.

Tem lá algumas telas a óleo, mas o forte do Ruelas eram os desenhos e gravuras que fazia para ilustrar uma importante revista literária (Revista Moderna, 1898-1911), bem como os livros de seus amigos prosadores e poetas. Faunos enforcados, mulheres escorpiônicas assassinas, centauros moribundos, mocinhas nuas às voltas com diabos de todos os tipos e calibres pululam nos macabros trabalhos do artista, aos quais não faltam pitadas de humor negro e de lubricidade delirante que ajudam a relativizar a atmosfera de morte, tortura e desespero que os envolve. O cara é o fino. Vejam duas definições que dois importantes poetas da turma do Ruelas deram dele

"El diablo, tu divino maestro de dibujo,
en tus sueños proclama la virtud de su influjo
y mandrágoras cortas con tus manos de brujo.
Y como gran artífice de belleza y gran mago,
los cabellos de Ofelia desparrama en tu lago."
(Rafael López)

"La inspiración de Ruelas complácese en la sombra, en la angustia, en el tormento. Es dantesca por excelencia. Viene del infierno, a través de Goya... Nadie como él ha sabido traducir el dolor, un dolor que eriza los cabellos, que hace pensar en un mundo fantasmagórico de suplicios. Las creaciones atormentadas de Ruelas se retuercen sin esperanza en limbos tétricos. Sus símbolos dejan traslucir no sé qué pesadillas inenarrables ..."
(Amado Nervo)

A exposição "El viajero lúbugre" fica no Munal até fins de outubro, e quem vier passear por essas bandas, especialmente a falange das artes plásticas, não pode perder essa chance única de conhecer a obra do Julio Ruelas - ora buelas.

De brinde, segue um desenho intitulado "La Crítica", um dos seus muitos auto-retratos, que expressa bem o que o Julio Ruelas pensava desta velha senhora de tão péssima reputação.



sexta-feira, 28 de setembro de 2007

SOBRE MEZCALES Y ALACRANES

Vivendo e aprendendo. Ou, como gostava de dizer o Matinas Suzuki, nos anos 80: Win Wenders e aprendenders. Escrevi aqui outro dia que o maguey, aquela planta baixa com palmas duras e pontudas, era um tipo de agave, quando na verdade é o contrário: o agave é que é um tipo de maguey. Cortado, moído, cozido e destilado, vira o mezcal. Um tipo de mezcal específico, produzido em Tequila, no estado de Jalisco, México, leva justamente o nome de tequila, como acontece com o conhaque em relação a Cognac e o champanhe a Champagne, na França.

Estou com essas informações na ponta da língua, além de rios de mezcal competindo com o sangue em minhas veias e artérias, graças à comemoração dos 25 anos da revista CIENCIAS, editada pela Universidade Nacional Autônoma de México, a prestigiosda UNAM, que é a USP local, nada menos, e, talvez, um pouco mais.

Eu tinha sido gentilmente convidado para o evento pelo César Carrillo Trueba, um antropólogo que dá aula na UNAM e é grande chapa da também antropóloga Silvia Macedo, minha prima torta, atualmente trabalhando no Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Foi a Sílvia, aliás, quem me passou o contato do César aqui no México. Grande figura, o César. Dia desses, fui com ele e a namorada Aquavi ( "renascimento", na língua africana fon), a uma danceteria em Roma Norte, a simplícissima e excelente "Flor del Sol", com duas bandas cubanas poderosas se revezando numa salsaria retada. A Aquavi, que também estava lá na mezcalada de ontem, é uma "abogada antropológica", especializada em defender causas indígenas, além de professora de direito na UNAM. Outra coisa que ela é: uma mulata bonita e simpática que detesta ser chamada de "morenita", segundo a fórmula disfarçadamente racista cá da terra, muito parecida com a brasileira, aliás. Se bem que, em princípio, não vejo ofensa nenhuma em chamar uma morena de "morena". Mas entendo bem ao que ela está se referindo.

Eu não estaria contando nada disso, tenham certeza, se o artigo de fundo da edição comemorativa dos 25 anos da Ciencia (sem circunflexo) não versasse justamente sobre os vários tipos de magueys e sua distribuição pelo território mexicano. O evento, realizado no Instituto Mora, situado no mexicaníssimo bairro de Mixcoac, no sul da cidade, onde fica a maior plaza de toros do país, foi precedido por uma apresentação surpreendentemente bem-humorada do autor do artigo sobre os magueys, o botânico que mais entende do assunto no México, Luis Eguiarte. Fiquei sabendo, então, entre outras coisas mais ou menos interessantes, que o maguey é uma planta "suicida", que se mata para se reproduzir, tem no morcego seu principal agente polinizador e conta com algumas espécies dotadas de absoluta identidade genética em todos os seus indivíduos, o que lhe causa problemas adaptativos graves como, por exemplo, baixa resistência a pragas.

Além disso, vejam ustedes, algumas espécies são bem altas, podendo chegar ao dobro do tamanho da Valéria. Quem é a Valéria? É a mulher do botânico, que se deixou fotografar ao lado das plantas para se ter um padrão de referência de sua altura. Grande Valéria. Aparentemente não se pode moê-la e cozinhá-la para se destilar o mezcal, mas ela deve ter lá outras utilidades, senão o dr. Eguiarte não teria se casado com ela, por supuesto.

Outras pessoas hablaran, inclusive o César Carrillo, em nome da revista Ciencia, e um maestro mezcalero de Oaxaca, que produz um mezcal artezanal, segundo o processo tradicional indígena, a partir de magueyes silvestres, e não dos cultivados, como a turma faz em Jalisco e outras partes do México, o que, segundo os especialistas, faz toda a diferença no sabor e na qualidade etílica da bebida.

Também deu sua pala o Cornélio Peres, emérito fundador de la Logia de los Mezcólatras, uma organização destinada a preservar as tradições mezcaleras mexicanas, ameaçadas pelo comercialismo desenfreado que, parece, as está levando à extinção. No entender do Cornélio, que tem uma deliciosa cara de sátiro briaco de óculos, todos los mezcales e tequilas, mesmo os mais caros, que se podem comprar nas boas casas do ramo, não valem nada, pois contém aditivos químicos e água, o que diminui seu teor alcoólico e arruina su autenticidad.

Bueno. Findo o papo, o distinto público que lotou o pequeno auditório do Instituto Mora, dedicado a pesquisas em ciências sociais, foi convidado a passar para um belo pátio interno, ao velho estilo dos casarões coloniais mexicanos, para uma degustação boca-libre dos principais tipos de mezcales produzidos nos palenques (destilarias rústicas de mezcal) oaxaqueños.

O maestro mezcalero, jovem integrante da quinta geração de uma família que vêm se dedicando há mais de um século a produzir mezcales em Oaxaca (pronuncia-se "Oarraca"), trouxe vários litros da precisosidade. Não faltaram garrafas com o tradicional gusano de maguey, que para uns é meramente decorativo, para outros está lá para atestar a qualidade do álcool, pois do contrário se deterioraria, e para os puristas, como o Cornélio Peres, adiciona de fato um sabor especial à bebida. Especialmente, imagino, quando são ingeridos por descuido, como aconteceu com o Matthew Shirts, o destemido editor da National Geographic brasileira, segundo relato de viva e embargada voz que o próprio me fez hoje pelo Skype.

Tinha até uma garrafa cheia de alacranes, curioso artrópode peçonhento, mais conhecido no Brasil e na astrologia como escorpião. Isso mesmo, era um mezcal curtido com um boa dúzia de pequenos escorpiões que descansavam no fundo da garrafa, supostamente mortos, sin embargo de su aspecto menazante. O maestro mezcalero exaltava as "calidades energéticas del alacran", que, segundo ele, se transferem à bebida, emprestando-lhe considerável potencial afrodisíaco, entre outras virtudes. Só não sei, pois achei mais prudente não perguntar, se é preciso engulir um dos alacranes, ou depositá-lo sobre alguma parte específica do corpo, para que aquele potencial se manifeste.

Em todo caso, foi depois de uma dose caprichada de mezcal alacranado que eu me puz a explicar a um pequeno grupo de mexicanos e mexicanas, amavelmente interessados no brasileño que lhes aparececera pela frente, o que é "cercar um frango", a propósito dos notórios efeitos secundários do mezcal, e de outras bebidas alcoólicas, mormente después da quinta ou sexta dose, como era o meu caso.

Traduzi a nossa velha expressão anedótica por "perseguir un pollo," o que provocou não poucas gargalhadas na minha audiência, toda ela mezcalada, pero não tanto como o velho yo que vos habla. Com certeza mais de um mexicano ali terá notado o quanto eu já estava a ponto de perseguir vários pollos pelo instituto adentro y afuera.

Animado com esse primeiro sucesso, prossegui comentando que, em geral, quando a pessoa começa a perseguir un pollo, sente também "ganas de ahogar el ganso." Ninguém sabia o que era ganso, e eu tive alguma dificuldade de expressar por mímica de que ave se tratava. "Ah, un ánsar," disse uma senhora bem alimentada, professora de alguma coisa em algum lugar.
Apesar do interesse geral em conhecer o sentido profundo de "ahogar el ánsar", tive um súbito laivo de lucidez e deixei a questão no ar, prometendo que mais tarde a elucidaria devidamente, coisa que, lorricamente, no lo hizo.

Total, acordei hoje com uma correição de alacranes furibundos atravessando-me a mioleira de fio a pavio, e uma sincera disposição de trocar toda a produção mezcalera artezanal de Oaxaca por um lata de cueca-cuela bien helada - coisa que fiz, depois de dar baixa em alguns alacranes em mau estado de conservação en el baño aqui da minha habitación.



quarta-feira, 26 de setembro de 2007

MORDIENDO LA LENGUA

Anteontem, na linha do "ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire," escrevi que eu tinha sido abandonado por meus contatos mexicanos, bem como havia descartado outros tantos "por falta de empatia".

Não é verdade. Todo mundo que eu procurei aqui, umas três ou quatro pessoas, entre mexicas e brasucas, me recebeu/beram de braços abertos e são pessoas da maior qualidade. Algumas delas eu acabei deixando de llamar porque, basicamente, moram longe e não são pessoas a quem se possa convocar de uma hora pra outra para um papinho informal no boteco da esquina, que é, aliás, a minha forma preferida de sociabilidade, no Brasil, México, Oropa, França ou Bahia.

Outros dois excelentes contatos do gênero "moçada", que eu gostaria de encontrar de novo, acabam de me mandar e-mails, um ontem, outro hoje, me convocando para "una comida" em casa de amigos e um lançamento de revista que deverá previsivelmente descambar numa alegre tequilada. Mordo, pois a língua. Reclamei de agenda e barriga cheias, só porque não tenho o amigo que quero na hora que melhor me apraz. Azar, meu rapaz. Reclamar, no más.

Quero falar de Teotihuacán e suas pirâmides del Sol e da la Luna, verdadeiramente increíbles. Mas está mais do que na hora de fazer minha lipoinspiração no Farolito, a deliciosa e barata taquería da rua Arquimedes. Después hablamos.

Arriba! Abajo!
Caramba! Carajo!

(ps: tks, Joca, amigo viejo, pelas estimulantes e defensoras palavras. Não tenho teu e-mail aqui no meu notebook. Me manda. Se estivesses acá para tequilar comigo, eu não estaria reclamando de nada.)

LA VENGANZA, parte I

Agora ferrô geral. Fui mexer com a basílica da Virgen de Guadalupe, óia só a gelada em que me meti. Don Balthazar Noriega, el peluquero vingativo, faz sua aparição de viva imagem. Que devo fazer? Chamar a Intepol? Comprar una metranca? Ou tomar imediatamente una tequila?

terça-feira, 25 de setembro de 2007

DOMINUS VOBISCUM

Uns dois dias atrás, acho que no domingón pasado, por la noche, relendo o último post do meu blog, em que, feito um estudante guevarista, desanco a ditadura militar e os atuais milicos que ainda apoiam publicamente as barbaridades cometidas naqueles 21 anos de coturno no saco da nação, me bateu uma nóia retada.

Me vi, ao voltar pro Brasil, sendo perseguido, seqüestrado, torturado e fatiado por um esquadrão da morte do Movimento Guararapes, integrado por milicos da ativa e de pijama, de extrema direita, e por ex-policiais torturadores nostálgicos daquela maquininha elétrica com manivela deles. Me vi também ridicularizado pelos amigos e inimigos, e, pelo sim, pelo não, e, sobretudo, pelo talvez, tirei o post do ar.

Quer dizer, além de ser o mais negligente blogueiro entre os amorecos expressos, ainda me auto-censuro e podo meus próprios posts. Es el fin de la picada. Mas não se perdeu literalmente nada. Aquilo era um primor de anacronismo e esquerdofrenia juvenil tardia - bem tardia, no meu caso -, fruto, talvez, deste intenso ócio mesoamericano com que fui agraciado.

Que se fueda el papa. Voltemos ao México.

Hoje, fui ver a Virgem de Guadalupe, ao norte da cidade. Juro que fui. Na verdade, o objetivo da expedição era ver - e vi, es del gran cararro! - as pirâmides e os sítios arqueolórricos de Teotihuacán. Mas a excursão à qual aderi passava compulsoriamente pela basílica, que fica no caminho, e lá fui eu ganhar uns aninhos de indulgência celestial quando se me franquearem as portas do Além, o que espero não aconteça tão cedo, pois tenho filhas pra criar, um romance para acabar e outro pra começar.

A Virgem de Guadalupe, como se sabe, é mestiza, a exemplo de 90% da população mexicana, e deve ser prima em segundo grau da nossa Aparecida afrobrasileira. A história, que consta, com variações, de todos os guias turísticos do México, é a seguinte: lá nos idos do século 16 ou 17 (faz diferença?), um índio chichimeca, convertido ao catolicismo sob o nome cristão de Juan Diego, recebeu a visita da Virgem em pessoa. Juan Diego correu pra relatar a fantástica aparição ao bispo de plantão, pedindo a ele que mandasse erigir uma basílica pra comemorar o fato. Só que o reverendíssimo espanholito não acreditou que a mãezinha do JC fosse aparecer para um réles índio mexicano. "No es posible! Por que la señora doña Virgen no apareció para mi, que soy el bastante obispo, con mil coroiñas desnudos!", deve ter esbravejado el relirriôsso aquel.

Não havendo um segundo bispo pra reclamar do primeiro, Juan Diego recorreu em preces à própria Virgem, que produziu uma prova irrefutável da sua aparição ao humilde chichimeca: rosas.

Sim, pois não havia rosas no México. Só mesmo por um milagre. Isso deveria ser suficiente para convencer o bispo incréu. Juan Diego voltou lá na casa do hombre com um pano rústico armado em trouxa, cheio das rosas da Virgem. Quando ele abriu o pano diante do bispo, mais um milagre, esse matador: no pano, de fibra de magüey (uma palmeira aparentada com o agave), estava estampada a virgem mestiça. Ohs e Ahs gerais. O bispo viu-se obrigado a rodar a batina e mandar construir a basílica pra Virgem do índio, denominada de Guadalupe, em homenagem a uma Virgem homônima da Espanha, lórrico.

Aliás, em qualquer canto da cidade você topa com um altarzinho pra dona Lupe. Nos parques, nas passagens subterrâneas, nos pontos de táxi, em toda parte a Virgem faz sua aparicão. Um chilango (apelido do habitante da Ciudad de México) me contou que, aqui, quando algum trecho de rua se torna depósito de lixo ou ponto de encontro de drogaditos, os moradores logo instalam um altarzinho pra Virgem de Guadalupe. No dia seguinte já ninguém mais joga basura ali ou se reune pra pipar um crack. A Virgem tem a maior moral acá en el pedazo. Até índios não-católicos, que fazem questão de manter suas tradições e religiões ancestrais, se declaram "guadalupanos" e vão à basílica reverenciar a Virgem. És muele?

Vi a Virgem de Guadalupe, a original, lá na basílica nova, não na antiga, pequena e cheia de charme barroco, que fica no alto de um outeiro. A imagem fica no altar do templo modernoso, de concreto aparente, que consegue ser mais feio que a praça Roosevelt, em São Paulo, se isso é possível. A coisa é encimada por um pinoco com uma cruz sobre um M, supostamente de Maria, que mais parece a logomarca de uma famosa cadeia mundial de fast-food. Eso es una blasfêmia, pero es verdad, caramba. Se duvidam, acessem a internet, que deve ter uma foto do treco em algum lugar. E tratem de ler logo esse e-mail, antes que eu tenha outra crise de paranóia galopante e, temendo as chamas do inferno mexicano, decida tirar também este post do ar amanhã ou depois.

Entre o altar e a platéia da basílica (não há uma nave central nessa igreja modernosa), o famigerado arquiteto planejou um fosso dotado, na base, de uma esteira rolante que permite aos fiéis contemplarem a Virgem acima de suas cabeças, mas bem próxima, sem interferir nas missas celebradas ininterruptamente das 6 da manhã às 9 das noite, todos os dias do ano. A esteira rolante serve também para evitar aglomerações diante da imagem milagreira.

Ex-coroinha que fui - pero no desnudo, alto lá! -, passei 3 vezes pela Virgem. Nossa guia, a Marilu, baixinha, gordinha, mestiça, simpática e cultíssima, contou que, originalmente, a Virgem portava uma coroa dourada na cabeça, mandada raspar pelo vice-rei espanhol para não estimular pretensões independentistas por parte dos mexicanos da gema, que já estavam usando aquele pano pintado como bandeira da colônia.

Caracas, eu ia falar das pirâmides de Teotihuacán, acabei falando da Virgem de Guadalupe. Enfim, só pra arrematar, a basília de concreto fica numa bela esplanada onde se situa uma outra igreja barroca restaurada, que também já foi basílica, esta, sim, um primor de arquitetura colonial, apesar de estar adernando por causa do piso movediço, pois foi erigida sobre o leito ainda pantanoso de um antigo lago.

Sério, gente, a torre de Piza perde. Estão tentando deter o adernamento da velha igreja, que se debruça perigosamente para a frente e para o lado, mas não sei não. Eu é que não me arriscaria a rezar um terço inteiro lá dentro. Olhei praquilo, de fora, e me disse o mesmo que o Tom Waits certamente diria: essa igreja andou bebendo. Ou fui eu que ainda não sarei totalmente de um pilequinho de cerveja com la matadora tequila que tomei ontem, sozinho, num pub anglófilo que tem aqui do lado de casa, em Polanco, com uma trilha sonora genial só de velhos rocks. Nada de especial nesse pub, aliás, mas é o único lugar onde me senti bem sozinho nas redondezas.

Sozinho. Essa é a palavra-chave, aqui. Fui abandonado por todos os meus contatos mexicanos. E os que não me abandonaram, abandonei-os eu, por falta de empatia. Mas daqui a uma semana estarei de volta ao Movimento Guararapes, digo, ao Brasil. E com la buena cerveza de la tierra, mais a tequila Herradura Reposado e os rockaços do Pleistosceno Inferior lá do meu pub anglomexicano, até que dá pra agüentar.

Oné queu tava memo?

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

SKETCHES FROM MÉXICO

Eu disse, não disse?, que não tinha saco para blogs e diários em geral. Pelo menos tenho uma boa justificativa para esse meu silêncio bloguístico de vários dias. É que andei zazando bastante por aí nos últimos dias em companhia da Estela Renner, cineasta, roteirista e escritora-em-devir, contratada pelos Amores Expressos para vir aqui no México filmar meus itinerários na cidade, comigo dentro deles. Foi a maior pauleira. Muita andança, muita falação, de manhã até a noite. Foi otimo, na verdade. Saquei mais da cidade, andando com a Estela por sus calles y avenidas, do que no triplo dos outros dias em que saí sozinho pra vagamundear nessa cidade-charada que estou ainda muito longe de decifrar.

A Estela, by the way, é gente finíssima, e uma companhia estimulante, sempre muito a fim de ver e filmar tudo e todos. Quando ela dava por findos os trâmites cinematográficos do dia e entuchava aquela câmera Sony na mochila dela e fechava o zíper - que sonzinho delicioso: ziiip - , tudo que eu conseguia visualizar era uma pirâmide de garrafas de cerveja Negra Modelo encimadas por uma de tequila Herradura Reposado (envelhevida), minhas biritas preferidas aqui na Tacolândia.

Com a Estela a tira-colo - ou o contrário, na verdade - fui a Xochimilco, um bairro popular que fica a uma hora, mais ou menos, do centro, em meio a um trânsito de fazer o Montezuma arrancar seu próprio coração de ódio. Isso equivale a dizer que fui ao México, finalmente. E digo, de boca e coração bem cheios, que los mexicanos-mexicanos são uns doces de pessoas, unos hermanitos generosos, alegres e hiper-comunicativos. Dá vontade de trazer todos aqui pro hotel e ficar com eles tequilando, taqueando e platicando (papeando) indefinidamente - ao contrário desses polanqueños blancos aqui do meu bairro que poderiam muito bem ser paulistanos enfezadinhos dos Jardins ou parisienses mal-humorados ou londrinos snobs ou qualquer outro exemplar de classe-media urbanóide globalizada pentelha desse planeta monótono. (Estoy rebelde pra carajo hoy, djá se vê.)

Mas não vou contar nada sobre Xochimilco, nem sobre Coyoacán, nem sobre puerríssima ninguna. Minhas modestíssimas aventuras por esses lugares estão bem documentadas pela câmera esperta da Estela, e poderão ser vistas dia desses na televisão, em algum canal a cabo, supongo. Para informações gerais, sobre estes, e outros sítios adonde ahún não botei meus tênis brasucas, y, problablemente, nem botarei, comprem um bom guia do México (recomendo o da National Geographic, em ótima tradução brasileira, à venda nas boas bancas e revistarias de qualquer cidade do Brasil), e vão plantar patatas. Ou melhor, vão plantar milho pra fazer tortillas, que es bem más gostueso.

Parece incrível, mas Don Balthazar Noriega, el peluquero desvairado, ainda me escreve exigindo que eu retire do blog as minhas referências irreverentes à cultura indígena ancestral do país dele, sob pena "de arcar con las sanciones legales pertinentes, y con otras también." Caríssimo Balthazar, os seus ilustres antepassados mexicas já sabiam, e, antes deles, os mayas, toltecas, chimecas, zapotecas e olmecas também sabiam, que um dia o grande ciclo do tempo chegará ao fim, e com ele, todos os blogs, todas as tortillas e todos os aviões de carreira, mexicanos e brasileiros - se bem que os brasileiros, pelo andar da carruagem aérea, serão os primeiros a ir para las cucuyas.

Vá, portanto, fazendo teus peinados aí, en una buena, que yo aqui vou me dedicar a cazar perniluengos, pues el tempo atmosférico esquentou e uma pequena legião deles avançou pela ventana adentro, todos ávidos pelo meu sangue, como você, aliás, cabroncito sanguinário de una figa.

Pra falar a verdade, até tenho umas historinhas pra contar. Minha visita ao tétrico Museu da Tortura (!), no centro histórico, por exemplo, e os felizmente até agora poucos contatos com a, digamos, não inteiramente honesta polícia mexicana (ói quem fala...), estão entre elas. Mas, ahora, las estoriñas esas entraran por una tortilla e saliran por la otra, quien quisser que cuente otra.

Que te pase bien, que te pase un tren.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

POLANQUITUDES

Don Balthazár Noriega, el peluquero nacionalista, ataca de nuevo. Primeiro para me dizer que "Balthazar" não tem acento na última sílaba. Ora, Don Peluquero, usted mismo assinou com acento no primeiro e-mail que me mandaste, no te acuedas, cabrón? Ou soy yo que estoy a viajar en la maionese? Preguiça de checar isso.

Em todo caso, vou tirar o acento, Balthazar. Tá bom assim? Gostaria também de tirar da sua mão aquela adaga de obsidiana (um cristal de origem vulcânica que pode ser lapidado e se tornar extremamente cortante) que, te lo juro, me deu calafrios. Paz y amor en la Terra de los mexicas, bitchô.

Esse Balthazar, meu novo não-amigo mexicano, me lembra que mega-atrocidades na história da humanidade não foram privilégio dos antigos mexicas (ou astecas, como não se fala mais hoje). "¿Y Hitler? ¿Y Stalin? ¿Y George W. Bush? ¿Y Saddam Hussein?", esbraveja o zeloso peluquero.
E aproveita para me lembrar que o episódio que eu relatei aqui, de uma grande matança que durou quatro dias para comemorar a inauguração de um novo templo em Tenochtitlán - a poucas quadras do meu flat -, ocorrida em 1487, quando Hernán Cortés tinha apenas 2 aninhos de idade, "nos es nada, nada, nada, se la comparas a los docientos mil muertos em un solo día en Hiroxima. Siendo que en el Iraque la guerra provocada por los gringos hace más de 3 mil victimas todos los meses. Un masacre! Los mexicas solamente sacrificaran a 80 mil personas en aquel episodio que tu insidiosamente citas. Y todo dientro de los mas dignos rituales religiosos. ¿Quién es más salvage, digame, señor brasileño de mierda? ¿Los mexicas o los gringos?"

Balthazar, carácoles de miércoles, tienes toda razón. Além do quê, 80 mil sacrifícos humanos em 4 dias não é nada, né mesmo? Sobretudo considerando que a carne dos trucidados foi devidamente churrasqueada e consumida después.

Ah, e antes de mais nada, "brasileño de mierda" es la pu... Bueno, deixa pra lá. Vá cazar sapo en Xochimilco y vee si me dejas en paz, hombre!

Falei longamente ao teléfono, outro dia, com o Camilo Albornoz, um brasuca que vive há mais de vinte anos na Cidade do México, em Xochimilco, justamente, o reduto do Balthazar. É um bairro popular meio periférico, ao sul da capital, com canais navegáveis que lembram remotamente Veneza. Ainda não fui lá, mas já vi fotos.

Camilo faz um trabalho social, de teatro, com crianças pobres da perifa. Bem pobres, parece. E garante que Polanco, meu bairro, que começa a se tornar realmente familiar para mim, "não é o México." Tudo bem, pensei. Também não sou mexicano. Estamos quites, yo y Polanco.

Aliás, saí na quinta ou sexta passada pelas ruas de Polanco e percebi porque apelidam o bairro de "Polanski". É que há uma forte comunidade judia aqui, do mesmo jeito que o Bom Retiro e Higienópolis, em Sampa City, já abrigaram a colônia judaica num passado não muito distante.
Já morei em Higienópolis, e agora moro no Jardim Paulista, outro point com forte concentração judia de SP, de modo que não é nenhuma novidade para mim ver homens de quipá e religiosos israelitas de todos os matizes, com seus ternos negros, chapéus altos e madeixas encaracoladas escorrendo de cada lado do rosto.

Mas, ontem, subindo a avenida Horácio, aqui em Polanco, tive a sensação de ter entrado no bairro mais ortodoxo de Jerusalém, dando razão a Camilo, para quem eu não cheguei ainda no México. A mais alta ortodoxia hebraica flanava pelas ruas a pé, calmamente, saindo de alguma sinagoga das redondezas. Centenas de homens chapeludos com ternos pretos, de corte antiquado, mulheres de peruca, adolescentes, crianças, todos se desejando Shanatovah!, Shanatovah!, Shanatovah!

Logo me caiu a ficha: estávamos em pleno Rosh Hashaná, ou "Cabeça do ano", o ano novo judaico: 5768, como li em algum lugar, se não estou enganado. Me ocorreu que os mexicas (se diz mechícas), se mexicas ainda fossem, também estariam comemorando algum ano desse calibre. Já os cristãos se contentam com esses dois mil e tantos aninhos de existência.

Cinco mil, dois mil, dez mil anos, o fato é que o mundo vai ficando irremediavelmente velho. Numa esquina da Horácio com Galileo, um marreteiro vendia os indefectíveis cd's e dvd's piratas, como em Sampa e todo lugar do planeta. De repente, o cara lascou a todo vapor nada menos que "Born to be wild," com o velho e sempre pulsátil Lobo da Estepe. Caminhando a passos largos para os meus singelos sessentaninhos, tive um profundo suspiro de nostalgia, e adaptei imediatamente a letra do rockão às minhas atuais circunstâncias: Born to be old.

Holy shit.

(Juro que não volto a falar em tempo e idade, ok? Pero, holy, holy, holy shit...)

sábado, 15 de setembro de 2007

TEMPO, TEMPO, TEMPO

Nunca tive nem pretendi ter um blog. Já passo tempo suficiente no computador escrevendo pra fora e pra dentro, fora o rame-rame diário da vida infopostal. Não sei como se vira essa turma de amigos meus que mantêm blogs de qualidade, com momentos de verdadeira genialidade, como o Mário Bortolotto, a Ana Pands, o Caco Galhardo, o Joca Terron, e a Fernanda Dumbra. Eles também escrevem direto, pra fora e pra dentro, como eu, fora os milhões de outros afazeres e prazeres que ocupam seus dias, desde a hora que acordam até a hora que vão dormir, fora a trabalheira psíquica que dá sonhar. Onde arranjam saco, gás, inspiração e, sobretudo, tempo para blogar impunemente?

Tempo, eis a questão. Li uma vez um artigo de um ótimo escritor polonês naturalizado americano, o Louis Begley ("As Max saw it"), acho que na Folha, contando como ele, advogado de grandes corporações, e, desde sempre, o homem mais sem tempo do mundo, sentiu-se profundamente perturbado ao ver, um dia, um outdoor da Japan Airlines com o clássico bordão: Time is all.

Ora, dizia o Begley, se tempo é tudo, e eu vivo sem tempo, isso significa que eu não tenho NADA. O cara ficou mal, coitado. Bem fez o prefeito Kassab em abrir guerra contra os outdoors, que só azucrinam a cabeça das pessoas.

Há muitos anos não tenho a experiência que estou tendo aqui no México de ter todo o tempo do mundo pra mim. Passo boa parte desse tempo revisando meu romance, que já baixou das oitocentas e tantas páginas da primeira redação para mais civilizadas seiscentas. E ainda nem estou na metade da revisão. Certamente vai ismagrecê mais ainda, o danado.

Também me ocupo organizando minhas impressões mexicanas e desenhando esquemas para a novela-roteiro aqui pros Amores Expressos. Mas trabalho quando quero e o quanto quero. Em geral isso acaba somando umas seis horas por dia. Cinco, vai. (Quatro, e não se fala mais nisso.) O fato é que ainda não consegui ficar um só dia sem escrever aqui.

Pensei que hoje, sábado ensolarado, seria um bom dia pra não escrever nada e nem mesmo sair pela cidade buscando coisas para ver e conhecer. Não que eu seja nenhum devoto afainoso do guia Michelin. Sou, na verdade, o pior turista do mundo. Dependessem de mim, as belas vistas, os museus e os sítios históricos seriam devorados pelo esquecimento. Mas sempre acabo dando minhas bandinhas por aí, ora buelas.

Acordei, pois, muito disposto a mergulhar de cabeça na piscina do tempo e ficar boiando nele até o cu fazer bico, como se dizia antigamente, e, às vezes, ainda hoje. (Por que o cu da gente faz bico quando se exagera em alguma coisa, é um desses mistérios proctológicos que jamais serão decifrados, imagino.)

Bom, aí está: não consegui ficar sem escrever. Lasquei uma boa meia-dúzia de paráfrafos, e já me encaminho inexoravelmente para o próximo.

Time is all. Só que, quando não se tem o que fazer, corre-se o sério risco de virar um cronocida. Quer dizer, quando se tem todo o tempo do mundo, acaba-se por matar o tempo. E aí? O que fazer do tempo morto? Enterrá-lo numa página do Word é um das opções mais praticadas pelos letrados do mundo com acesso a um computador.

Taí, vai ver, o segredo dos blogueiros. Os caras evitam ter tempo livre, para não ter de matá-lo fazendo, digamos, palavras cruzadas. Ou jogando paciência. Ou... postando alguma coisa em seus blogs, se me permitem um raciocínio circular e incongruente. (Permitam, vá. Hoje é sábado.)

Porém, se você ganha alguma coisa para escrever um blog - como eu, aqui no México, que tenho estadia e uma diária para gastar -, talvez não seja muito pertinente falar em "matar o tempo". De alguma forma, estou trabalhando. Mas se trabalho, fico sem tempo. Tempo pra quê? Pra matar o tempo, claro.

Qualquer dia vou me inscrever num curso de filosofia, ou de física pura, e tentar entender esse negócio do tempo. Mas não aqui no México. Acá, não preciso me preocupar com o tempo. Só com o espaço. Tempo, quando se está vivo, existe em toda parte, embora nem todo mundo disponha dele, a exemplo do Louis Begley, que está vivo e forte lá em Manhattan, mas não tem tempo.

"Time waits for no one, and it won't wait for me." (Mick Jagger)

(Recebi mais um e-mail de Don Balthazár Noriega, el peluquero patriótico. Nada escrito nele. Só uma foto - de uma adaga ritual de obsidiana negra, igual às que vi no Museo Nacional de Antropología, usadas pelos sacerdotes mexicas para extrair o coração de suas vítimas no alto dos templos. Qual é a sua, Balthazar? Vai cortar os topetes da sua freguesia e vê se non me amuela, puerra.)

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

IMAGENS PRÉ-HISPÂNICAS




"Ídolos de terracota agachados com capacetes em forma de panetone amassado e uma expressão de quem acabou de peidar no elevador lotado." / El peluquero Balthazár reclama de que, além de irreverente, eu cometo ainda uma impropriedade básica: nem todos os ídolos são de terracota. Há muitos de pedra escupida. Fica o registro.



Meu retrato 3 x 4, segundo os desejos de don Balthazár Noriega.



Uma donzela tlapaneca depois de sugada até o talo pelo universo vampiresco.



Jovem entusiasmado pela vida em Cholula.



O mesmo jovem de Cholula depois de saber que os mexicas estavam em sua cidade à cata de vítimas sacrificiais para levar a Tenochtitlan.



Vítima sacrificial se cagando de medo na fila do sacrifício.



A mesma vítima sacrificial fazendo de tudo para distrair a atenção do sacerdote que ia submetê-lo ao tlacamictliliztli, ou extração do coração a frio.



Cliente irreverente para com a cultura mexicana pré-hispânica, depois de passar pela peluquería de Don Balthazár Noriega.



terça-feira, 11 de setembro de 2007

SACRIFÁCIO DEL CARILLO

Don Balthazár Noriega, el peluquero irado com a minha suposta desfaçatez no trato da gloriosa história mexicana, não me dá sossego. Recebo de dois a três e-mails dele por dia! Caray, don Gaspí! - como dizia Cantinflas.

El patriótico Don Balthazár insinua que, se anda estivéssemos sob o império dos mexicas, minha língua não continuaria à solta impunemente "haciendo tristes chistes e malas bromas" sobre seus antepassados. Ela seria sumariamente arrancada, junto com meu coração e minha cabeça, em honra a Huitzilopochtli, o deus máximo desse povo que dominou todo o pedaço por aqui, impondo o terror e a escravidão aos demais povos que ousavam disputar terras e recursos com eles, até a chegada de Cortés e seus 300 espanholitos avidos por ouro e sexo, no século 16.

Que meda, madrediós!

Huitzilopochtli, o deus máximo, e todo um panteão de deuses específicos, exigiam do seu "povo eleito", los mexicas, que ninguém mais chamaa de astecas, o sangue e os corações de guerreiros, donzelas, velhos e crianças - escravos dos mexicas, é claro. Em troca pelos sacrifícios oferecidos, o deus concedia aos mexicas o domínio absoluto sobre o mundo por eles conhecido - o que de fato aconteceu. A classe sacerdotal, que se abrigava debaixo do cenho franzido do pétreo Huitzilopochtli, garantia que os seres humanos foram criados pelos deuses somente para alimentar a voracidade do universo vampiresco.

E dá-lhe sacrifícios humanos, que ocorriam praticamente todos os dias do ano nos mais de 80 templos que havia em Tenochtitlan - o berço da atual Cidade do México -, bem como em outras partes da vasta região dominada - leia-se arrasada - pelos mexicas, o que não demorou a incluir também a península de Yucatán, ao sul, e seu povo maya, mais evoluído culturalmente e um poquito menos sanguinário que eles.

Sacrificavam-se vidas humanas a rodo para que o sol brilhasse, a chuva caísse, o milho crescesse, as mulheres parissem filhos fortes, os guerreiros mexicas tivessem força, coragem e habilidade para destruir seus adversários, e também para que a galera em volta se borrasse de medo dos dominadores à mera menção de seu nome.

No apogeu do poder mexica, durante o reinado de Ahuízotl, segundo crônicas espanholas e antigos códices indígenas, houve uma grande festança sanguinária reunindo vários reis aliados, bem perto de onde estou escrevendo agora. Milhares de cativos, de ambos os sexos e de todas as idades, foram trazidos de todas as partes do império para serem degolados, decapitados, queimados vivos e terem seus corações invariavelmente arrancados e servidos aos deuses em recipientes específicos (o cuauhxicalli), sendo que sua carne virava churrasquinho servido à larga aos guerreiros, comerciantes e nobres em lautos banquetes canibais. Talvez tenha sido ali inventado o tão bem sucedido sistema de rodízio de carnes.

Esse verdadeiro holocausto durou vários dias. Os sacerdotes e suas adagas de obsidiana trabalharam sem cessar por dias e noites arrancando corações. Dizem que rios de sangue escorriam do alto dos templos.

O principal resultado disso é que o punhado de espanhóis sujos, tísicos e sifilíticos que por aqui aportaram, em 1519, facilmente encontraram batalhões de aliados entre os povos dominados e sistematicamente massacrados pelos mexicas durante séculos. Em 1521, menos de três anos depois da chegada dos espanhóis, esse tsunami de etnias enraivecidas tomou de assalto Tenochtitlan, sob a liderança de Cortés, e aí, meu filho, já era pros mexicas.

Pronto, Don Balthazar. Contei mais ou menos bem a saga dos seus antepassados sanguinários? Quem quiser saber mais sobre o assunto - inclusive você, Don Balthazar, entre um corte escovinha e um new moicano, na sua peluquería - deve ler "El sacrifício humano entre los mexicas", de Yolotl Gonzáles Torres, a obra mais atualizada e abalizada que há sobre o assunto, editada pelo Fondo de Cultura Económica, uma das melhores editoras da área de humanidades del mondo todo.

Só não prometo ir à sua peluquería entregar-me às suas vorazes tesouras, meu querido Balthazár Noriega. Não queria ter o baita azar (sorry...) de ver orelhas, olhos, língua, nariz e coração abandonarem seus postos tradicionas nesta minha velha anatomia que tão bons serviços tem me prestado hasta ahorita.

domingo, 9 de setembro de 2007

VIDA DURA

Com os malditos miolos boiando em tequila fervente, acordei hoje com uma baita gratidão pelo ibuprofeno genérico que eu trouxe do Brasil e com uma idéia fixa e idiota que só pode ser efeito colateral da ressaca: não se faz boa literatura sem maus sentimentos.

Mas parece que é possível fazê-la sem trema, hífens e acentos diferenciais. Quanto aos maus sentimentos, não vou dizer quais são, até porque alguns são contra mim mesmo. Quando essa inflamação alcoólica nas meninges passar acredito que os maus sentimentos também deverão se dissipar, e com eles a minha chance de fazer boa literatura.

Relendo meu post de ontem, meu orgulho gramatical tropeçou num "a dez anos" no sentido de "faz dez anos". Tudo bem, um H a mais ou a menos não vai mudar o curso da história universal del hombre. Mas se alguma alma benemerente me fizer o favor de botar o maledeto H no devido lugar, agradeço. Vi também que faltavam várias vírgulas e sobravam outras no meu texto. A vírgula, diria Fernando Pessoa citando o Conselheiro Acácio, é como a felicidade: nunca está onde deveria estar porque nunca a pomos no lugar certo, e só por isso.

Puerra, por que esses reformadores gramaticais não acabam de uma vez com vírgulas, concordâncias, regências, crases e outros constrangimentos verbais que tais? Seria um bom pretexto para mais uma rodada de congressos internacionais de lingüistas de países lusófonos, com direito a classe executiva nos aviões de carreira e hotel cinco estrelas em Lisboa, Cabo Verde e Guiné-Bissau, acompanhante incluso.

Se me convidassem pruma boiada dessas eu gostaria de me alistar no comitê pró-extinção da crase. Se até os dinossauros, que eram aquelas galinhas gigantes, foram extintos, por que não também a magra e madrasta crase? Raramente acerto uma. Faço o possível para não escrever "à bordo" e "à pé", e não consigo. E quando chega a hora de escrever "as custas de", cadê o raio da crase? Não sai. Se até o trema foi pro saco, por que não enterram também essa excrescência? Quem precisa de um acento grave, ou mesmo agudo, seja lá onde for? Coisa mais incômoda, sô. À merda com a gramática e os gramáticos, ora buelas.

Ontem encontrei o Romeo Tello Arista, filho do também Romeo Tello, professor de letras e tradutor do Ruben Fonseca aqui no México. 26 anos, cultíssimo, grande papo. Me levou pra tomar cerveza con tequila no Café de la Ópera, no centrão caidaço, viejo e charmoso aqui da ciudad. Tinha lá três violeiros cantantes, mui buenos, aliás, que se acercavam dos casais presentes para lascar seus boleros melosos. Tocado de tequila, pedi a eles que cantassem Malagueña Salerosa, mas longe da mesa em que eu me sentava com o Romeo, pra não sermos confundidos com um casalzinho gay, coisa que por aqui não deve pegar muito bem. Acho que até casais verdadeiramente gays maneram na purpurina aqui. Já bastava o meu novo amigo se chamar Romeo.

O jefe-cantante entendeu o meu drama: "Perfectamente, señor." E lascaram a Malagueña praticamente de costas para nós, preservando nossas reputações de valorosos matchos latino-americanos. No final, el cantante aquél, veio com seu terno, gravata e cabelos fortemente brilhantinados me pedir "Sessenta pesos, por favor." Olha o cara. Bêbado e sentimental, dei-lhe cenzinha. No final, paguei sozinho a conta das inumeráveis tequilas e cervezas que haviam desfilado por nossa mesa. O Romeo merecia a gentileza. Mas, nessa toada vou ter que voltar a pé pro Brasil. Pelo menos vou conhecer a Guatemala e dar um abraço na Rigoberta Menchú, que concorre às eleições presidenciais e está na lanterninha das intenções de voto, coitada, com prêmio Nobel da paz y todo.

O Café de la Ópera data de meados do século 19 e é todo cheio das caraminholas rococós douradas nos tetos e paredes. Bota o Bar Brahma, em São Paulo, no chinelo, mas não a Confeitaria Colombo, no Rio, que é mais bonita. Uma das grandes atrações do café é um furo no teto feito por um tiro disparado por Pancho Villa em pessoa. Acho que o grande revolucionário mexicano bebia sua tequila em paz com algum amigo tão bigodudo quanto ele quando vieram los cantantes babar um bolero pra cima deles. Pancho sacou a garrucha e furou o teto a (ou à?) bala, pra mostrar que não era nenhum maricón de mierda, carajo. Não sei se foi exatamente isso que aconteceu, mas o furo está lá, rodeado por uma espécie de moldura redonda. É, seguramente, o furo mais famoso do México.

Romeo, que é da área das letras filosóficas, está fazendo uma tese sobre a liberdade, nada menos. Diz ele que não é sobre a liberdade em abstrato, mas sim sobre as "liberdades específicas, históricas, concretas." Tomei, então, a liberdade e pedi mais uma rodada de tequilas específicas, históricas e concretas pro garçon. (E dá-lhe ibuprofeno hoje!)

Acabo de receber um e-mail irado de um certo Balthazár Noriega, "mestre peluquero", reclamando da falta de respeito com que eu teria me referido aos povos indígenas mexicanos e sua cultura ancestral, no meu post passado. Alguém leu e bateu isso pra ele aqui no México. Não sei como a figura descobriu meu e-mail. Mas se até os afainosos produtores de penis enlargers não param de me mandar suas sedutoras mensagens é porque não deve ser tão difícil conseguir essa informação. Vai ver, além de barbeiro o maluco também é hacker. Sei é que ele sacou suas tesouras e veio com tudo pra cima de mim. Depois falo disso. Agora vou levar minha ressaca pra passear um pouco por aí - se o mestre peluquero me permitir.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

MONTEZUMA, CANTINFLAS, SARITA Y YO

Cheguei cá na ciudad de México antontem. Eu jamais iniciaria um romance, conto ou mesmo carta com essa frase tumular: "Cheguei cá na ciudad de México antontem." Mas, prum blog, dá pro gasto. Não há grandes fatos a relatar. O mais impactante foi a perda do meu cartão de crédito e saque no mesmo dia em que cheguei aqui. Na verdade esqueci o danado do plastiquinho no cajero automático em que fiz meu primeiro saque de pesos mexicanos. Eu estava com o fuso horário meio sobre o confuso, acho. E também algo eufórico por me ver na terra de Montezuma, Cantinflas e Sarita Montiel. (Na verdade, Sarita é espanhola, mas fez uma porrada de filmes no México. Lembro do clássico La Violetera, em que ela aparece, como sempre, com aqueles petchones de mama mía que embalaram minhas solitárias horas adolescentes. Esse filme, aliás, também é espanhol, pero todo bién. Onde andará la Montiel? Deve ter a mesma idade que Montezuma, acho, e um pouco menos que Cortés.)

Ontem fui ao famoso Museo Nacional de Antropología. Fica a somente 10 minutos a pé aqui do meu flat. Bacana. Tem milhares de ídolos de terracota agachados com capacetes em forma de panetone amassado e aquela expressão de quem acabou de peidar no elevador lotado. E tudo que você quiser saber sobre mexicas, huastecas, mayas, zacatecas, zapotecas, tzincoacas, tuzpanecas, tlapanecas e cia ltda.

Na verdade não há só ídolos de terracota. Há também centenas de caveiras e cuchillos rituales de obsidiana com os quais os donos das caveiras foram sacrificados nos altares dos ídolos por sacerdotes sangüinários. Depois de uma hora andando por ali, cansei-me profundamente. Só pensava em comer e beber. Acho que fiz bem em nunca sequer cogitar de seguir a nobre carreira antropológica. Achei que tinha tirado um monte de fotos lá dentro do museu, mas chegando no flat vi que tinha botado a câmera no modo filme e, bom, acabei tendo que apagar tudo. Já estou vendo se aproximar o dia em que não conseguirei mais acender a luz dos aposentos nem chamar o elevador ou abrir torneiras e dar a descarga, tão complicado vai se poniendo el mondo tecnolórrico, caray. Mas voltarei lá no museu qualquer hora pra fotografar tudo de novo.

Hoje vou me encontrar às 5 horas com o Romeo, um jovem tradutor e literato mexicano amigo do Antônio Prata. Aliás, ele, o Romeo, é que gentilmente se dispôs a me encontrar aqui no flat. (Pena que não é a Julieta...) Vai ser meu primeiro contato com não-serviçais aqui na terra dos mexicas. Vamos ver se ele me ajuda a me virar melhor na cidade, pois até agora só andei a pé e não saí de Polanco, bairro que é a cara da zona sul do Rio, com um monte de butiques metidas, carrões importados nas ruas, bistrôs e cafés afrancesados, esse tipo de coisa chic que logo provoca um certo enjôo na alma de um autêntico MPB (mané popular brasileiro) como eu.

Estou, em compensação, trabajando mucho - no meu velho romanzón começado a 10 anos (sic) e também - e principalmente - no novo, pros Amores Expressos. A história já está quase toda formatada na minha cabeça, e tem a ver com os nomes das ruas aqui de Polanco: Shiller (que sempre soa como Shirley na caixa acústica de mi catchola), Horácio, Hegel, Petrarca (a minha rua), Lamartine (grafa às vez nas placas como La Martine), Taine, Edgard Allan Poe, Tennyson, Moliére, Alexandre Dumas, Homero, Pitágoras e toda a literatura e a filosofia canônicas del occidente high-brow. É inacreditável. Pode coisa mais metida? Mas vai dar bom pano pras minhas manguinhas literárias.

Pra você ter uma idéia - e para já deixá-la patenteada perante el mondo todo -, minha história vai ter um detetive bronco e brasuca que está atrás de um sujeito, também brasileiro, que precisa ser eliminado, por razões que não vou contar agora e que estão no cerne do meu plot novelesco. O perseguido é um tipo culto e enlouquecido que vai deixando pistas literárias na internet, cruzando citações disparatadas, como de Virgílio e Poe, por exemplo. O detetive não entende tchongas, mas conhecerá una chica mui guapa y culta que decifrará as citações e sua origem: as ruas aqui de Polanco, onde está homiziado o tipo perseguido. De quebra, vai rolar um love apimentado entre os dois para fazer juz aos expressos amores deste belo projeto do Rodrigo Teixeira que deixou os escritores pátrios, de Bauru a Xique-Xique, se pelando de inveja.

Se eu mudar de idéia, aviso. Agora vou comer uns tacos se me dão licença.

Hasta la vista, como diria Don Schwarznegger.