amores expresos

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

SOBRE MEZCALES Y ALACRANES

Vivendo e aprendendo. Ou, como gostava de dizer o Matinas Suzuki, nos anos 80: Win Wenders e aprendenders. Escrevi aqui outro dia que o maguey, aquela planta baixa com palmas duras e pontudas, era um tipo de agave, quando na verdade é o contrário: o agave é que é um tipo de maguey. Cortado, moído, cozido e destilado, vira o mezcal. Um tipo de mezcal específico, produzido em Tequila, no estado de Jalisco, México, leva justamente o nome de tequila, como acontece com o conhaque em relação a Cognac e o champanhe a Champagne, na França.

Estou com essas informações na ponta da língua, além de rios de mezcal competindo com o sangue em minhas veias e artérias, graças à comemoração dos 25 anos da revista CIENCIAS, editada pela Universidade Nacional Autônoma de México, a prestigiosda UNAM, que é a USP local, nada menos, e, talvez, um pouco mais.

Eu tinha sido gentilmente convidado para o evento pelo César Carrillo Trueba, um antropólogo que dá aula na UNAM e é grande chapa da também antropóloga Silvia Macedo, minha prima torta, atualmente trabalhando no Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Foi a Sílvia, aliás, quem me passou o contato do César aqui no México. Grande figura, o César. Dia desses, fui com ele e a namorada Aquavi ( "renascimento", na língua africana fon), a uma danceteria em Roma Norte, a simplícissima e excelente "Flor del Sol", com duas bandas cubanas poderosas se revezando numa salsaria retada. A Aquavi, que também estava lá na mezcalada de ontem, é uma "abogada antropológica", especializada em defender causas indígenas, além de professora de direito na UNAM. Outra coisa que ela é: uma mulata bonita e simpática que detesta ser chamada de "morenita", segundo a fórmula disfarçadamente racista cá da terra, muito parecida com a brasileira, aliás. Se bem que, em princípio, não vejo ofensa nenhuma em chamar uma morena de "morena". Mas entendo bem ao que ela está se referindo.

Eu não estaria contando nada disso, tenham certeza, se o artigo de fundo da edição comemorativa dos 25 anos da Ciencia (sem circunflexo) não versasse justamente sobre os vários tipos de magueys e sua distribuição pelo território mexicano. O evento, realizado no Instituto Mora, situado no mexicaníssimo bairro de Mixcoac, no sul da cidade, onde fica a maior plaza de toros do país, foi precedido por uma apresentação surpreendentemente bem-humorada do autor do artigo sobre os magueys, o botânico que mais entende do assunto no México, Luis Eguiarte. Fiquei sabendo, então, entre outras coisas mais ou menos interessantes, que o maguey é uma planta "suicida", que se mata para se reproduzir, tem no morcego seu principal agente polinizador e conta com algumas espécies dotadas de absoluta identidade genética em todos os seus indivíduos, o que lhe causa problemas adaptativos graves como, por exemplo, baixa resistência a pragas.

Além disso, vejam ustedes, algumas espécies são bem altas, podendo chegar ao dobro do tamanho da Valéria. Quem é a Valéria? É a mulher do botânico, que se deixou fotografar ao lado das plantas para se ter um padrão de referência de sua altura. Grande Valéria. Aparentemente não se pode moê-la e cozinhá-la para se destilar o mezcal, mas ela deve ter lá outras utilidades, senão o dr. Eguiarte não teria se casado com ela, por supuesto.

Outras pessoas hablaran, inclusive o César Carrillo, em nome da revista Ciencia, e um maestro mezcalero de Oaxaca, que produz um mezcal artezanal, segundo o processo tradicional indígena, a partir de magueyes silvestres, e não dos cultivados, como a turma faz em Jalisco e outras partes do México, o que, segundo os especialistas, faz toda a diferença no sabor e na qualidade etílica da bebida.

Também deu sua pala o Cornélio Peres, emérito fundador de la Logia de los Mezcólatras, uma organização destinada a preservar as tradições mezcaleras mexicanas, ameaçadas pelo comercialismo desenfreado que, parece, as está levando à extinção. No entender do Cornélio, que tem uma deliciosa cara de sátiro briaco de óculos, todos los mezcales e tequilas, mesmo os mais caros, que se podem comprar nas boas casas do ramo, não valem nada, pois contém aditivos químicos e água, o que diminui seu teor alcoólico e arruina su autenticidad.

Bueno. Findo o papo, o distinto público que lotou o pequeno auditório do Instituto Mora, dedicado a pesquisas em ciências sociais, foi convidado a passar para um belo pátio interno, ao velho estilo dos casarões coloniais mexicanos, para uma degustação boca-libre dos principais tipos de mezcales produzidos nos palenques (destilarias rústicas de mezcal) oaxaqueños.

O maestro mezcalero, jovem integrante da quinta geração de uma família que vêm se dedicando há mais de um século a produzir mezcales em Oaxaca (pronuncia-se "Oarraca"), trouxe vários litros da precisosidade. Não faltaram garrafas com o tradicional gusano de maguey, que para uns é meramente decorativo, para outros está lá para atestar a qualidade do álcool, pois do contrário se deterioraria, e para os puristas, como o Cornélio Peres, adiciona de fato um sabor especial à bebida. Especialmente, imagino, quando são ingeridos por descuido, como aconteceu com o Matthew Shirts, o destemido editor da National Geographic brasileira, segundo relato de viva e embargada voz que o próprio me fez hoje pelo Skype.

Tinha até uma garrafa cheia de alacranes, curioso artrópode peçonhento, mais conhecido no Brasil e na astrologia como escorpião. Isso mesmo, era um mezcal curtido com um boa dúzia de pequenos escorpiões que descansavam no fundo da garrafa, supostamente mortos, sin embargo de su aspecto menazante. O maestro mezcalero exaltava as "calidades energéticas del alacran", que, segundo ele, se transferem à bebida, emprestando-lhe considerável potencial afrodisíaco, entre outras virtudes. Só não sei, pois achei mais prudente não perguntar, se é preciso engulir um dos alacranes, ou depositá-lo sobre alguma parte específica do corpo, para que aquele potencial se manifeste.

Em todo caso, foi depois de uma dose caprichada de mezcal alacranado que eu me puz a explicar a um pequeno grupo de mexicanos e mexicanas, amavelmente interessados no brasileño que lhes aparececera pela frente, o que é "cercar um frango", a propósito dos notórios efeitos secundários do mezcal, e de outras bebidas alcoólicas, mormente después da quinta ou sexta dose, como era o meu caso.

Traduzi a nossa velha expressão anedótica por "perseguir un pollo," o que provocou não poucas gargalhadas na minha audiência, toda ela mezcalada, pero não tanto como o velho yo que vos habla. Com certeza mais de um mexicano ali terá notado o quanto eu já estava a ponto de perseguir vários pollos pelo instituto adentro y afuera.

Animado com esse primeiro sucesso, prossegui comentando que, em geral, quando a pessoa começa a perseguir un pollo, sente também "ganas de ahogar el ganso." Ninguém sabia o que era ganso, e eu tive alguma dificuldade de expressar por mímica de que ave se tratava. "Ah, un ánsar," disse uma senhora bem alimentada, professora de alguma coisa em algum lugar.
Apesar do interesse geral em conhecer o sentido profundo de "ahogar el ánsar", tive um súbito laivo de lucidez e deixei a questão no ar, prometendo que mais tarde a elucidaria devidamente, coisa que, lorricamente, no lo hizo.

Total, acordei hoje com uma correição de alacranes furibundos atravessando-me a mioleira de fio a pavio, e uma sincera disposição de trocar toda a produção mezcalera artezanal de Oaxaca por um lata de cueca-cuela bien helada - coisa que fiz, depois de dar baixa em alguns alacranes em mau estado de conservação en el baño aqui da minha habitación.



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